Black Box [The Gift]: On Form and Function, 2018


Installation (Variable Dimensions): Card Box, Soil, Organic Matter (Kitchen Waste), Fungus, Worms and Other Beings.


Photography: Pigment ink on Cotton Paper (Hahnemuhle Bright White 310gr/m2), 51 cm x 61 cm (edition of 3 + 2AP)

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Miguel Santos, Black Box [The Gift]: On Form and Function


Ao longo de 5 anos Miguel Santos tem vindo a desenvolver um trabalho de investigação  artística sobre as possibilidades e as implicações de produzir arte para seres não humanos, ou seja, animais, plantas, fungos, bactérias, etc. Neste processo está o elemento de trabalho no campo, enquanto laboratório, experiências de instalações feitas “na natureza” tentando envolver ou se relacionar com estes seres. O artista documenta o processo através da fotografia. É importante aqui sublinhar a documentação do processo, e não do resultado (qual é, no fundo, o resultado?). As fotografias servem de index para alguma coisa que se passou, que se continua a passar, e na sua forma refletem a sua limitação, enquanto provas documentais, e também a limitação da fotografia, e, consequentemente, do olhar humano.


Com a série Black Box [The Gift], Santos instalou em diversos locais caixas de cartão, todas da mesma dimensão, encheu cada uma com matéria orgânica variada e depois fechou-as. O relacionar-se entre seres não humanos ficou, assim, enquadrado, pela intencionalidade de um ser humano, o qual, por sua vez, conscientemente relacionou-se com estes seres não humanos. Poder-se-á dizer que este processo de relacionamento (complexo, multi-espécie, entre diferentes escalas e de múltiplas perspetivas) foi proposto pelo artista como objecto de análise. Assim é, até certo ponto, no entanto, paradoxalmente, a proposta sugere igualmente as limitações do acto de observação.


O enquadramento - na forma da caixa e da fotografia - contem, simultaneamente limitando, e abrindo as possibilidades ao infinito. Vemos fora da caixa mas não dentro; vemos dentro do enquadramento da fotografia mas não fora. Na forma e no título, estas obras remetem para outras caixas pretas, a dos aviões, a de Schrödinger, a da Pandora. Em todos estes casos o conteúdo exato é-nos desconhecido, no entanto sabemos que é complexo, contraditório, e que, pelo menos até abrirmos as caixas, tem várias possibilidades. Entre elas a possibilidade de o conteúdo ser alterado ou desestabilizado através dessa observação.


Estas características fazem lembrar uma outra caixa preta, altamente complexa, contraditória, e aberta a possibilidades: a mente. Neste caso será fácil associar a matéria cinzenta e húmida à matéria orgânica das caixas de Santos, ambas constantemente ativas. Mas igualmente rica e difícil de conhecer é a cognição (mente ou não) dos seres não humanos, e isto é também o que o artista aqui propõe, ao conscientemente tentar relacionar-se com estes seres, sem nunca poder saber qual poderá ser o resultado.


Ao não poder conhecer a mente dos seres que não são nós, podemos ter a tendência em cair no relacionamento com esses seres como “outros”, e às vezes considera-los menos. Assim, aqui poderá ser relevante notar que as fotografias de Santos não são só de caixas, mas que estas últimas estão inseridas numa vista mais alargada: cada fotografia considera também o panorama do qual cada caixa faz parte. O que importa não é só o que está dentro da caixa, mas também o que está fora dela, tornando-se a caixa também um microcosmo do ambiente mais alargado que a envolve, ambientes que inevitavelmente se influenciam. Nós seres humanos também fazendo parte deste panorama, mesmo se pode parecer que estamos fora dele.


Sendo que grande parte deste trabalho de Santos é sobre este relacionamento e sobre o processo de interação entre os vários elementos que formam este panorama, o artista traz a caixa preta para a galeria, tornando a galeria um campo consciente de relações e experiências, e uma forma de laboratório, e também recriando o espírito com o qual instalou as caixas vistas nas fotografias, ou seja, em tom de dádiva.


Com esta dádiva o artista tenciona “devolver” algo, aos seres não humanos, à natureza, ao público. O ato da dádiva, como o acto da compra/venda ou da troca, é um acto microcósmico, e pode representar as relações mais macro predominantes a nível económico, político, social, etc.. No entanto, ao contrário da compra/venda ou da troca, transações entre entes distintos em que cada um cede algo para receber outra coisa logo a seguir, a dádiva enquanto acto microcósmico cria o macrocosmo, ou simplesmente o cosmo, no sentido que envolve os entes não numa relação formal e temporariamente finita, mas numa dinâmica mais generosa e menos estruturada e em ligações mais duradouros. Além disto, como proposto por Marcel Mauss, duma forma ou de outra, mais cedo ou mais tarde e por vários possíveis canais, a dádiva será devolvida a quem a fez. Assim, a dádiva cria um cosmo, em que eu e o “outro” fazemos parte do mesmo continuum, estas distinções perdendo o seu valor.


Com o tempo a matéria orgânica nas caixas de Santos vai se decompondo, transformando-se em composto, em humus, também um continuum, passando, indistinguívelmente, a fazer parte do ambiente ao qual foi oferecido. Este presente algo misterioso e tão bem empacotado toma a forma da sua função, a nível micro e macro.